A Globo deu início a um movimento inédito e ousado: criticar publicamente o atual sistema de medição de audiência da Kantar Ibope Media, que utiliza a tradicional métrica de “pontos de audiência”. Em comunicado recente ao mercado, a emissora mais poderosa do país questionou a eficácia e a justiça dessa metodologia, abrindo espaço para um debate cada vez mais urgente: o sistema de pontos ainda faz sentido na era do streaming, das redes sociais e da multiplaforma?
Direto Ao Ponto
Globo considera modelo utilizado nos EUA e México
O que a Globo propõe, na prática, é uma mudança no paradigma da medição de audiência na televisão aberta. A emissora defende a adoção de um modelo semelhante ao utilizado nos Estados Unidos e no México, que substitui os pontos de audiência por dados absolutos, ou seja, o número exato de pessoas impactadas por determinado conteúdo.
Esse modelo, segundo especialistas do setor, permite uma leitura mais precisa e realista do consumo de mídia, especialmente quando se considera o comportamento do público moderno, que consome conteúdos por diferentes meios — seja na TV, no streaming, no celular, no YouTube ou nas redes sociais.
Além disso, a Globo já estuda somar a essa nova métrica os números obtidos em redes sociais, como forma de medir o alcance total de um produto de forma mais justa. Ou seja, se uma novela, série ou reality show gera enorme repercussão online, isso também deverá ser contabilizado como parte do seu impacto — algo que hoje não é mensurado nos pontos tradicionais.
Crítica direta ao Ibope
O tom da crítica da Globo à Kantar foi direto e firme. A emissora alegou que a metodologia atual não acompanha mais a realidade do consumo multiplataforma. A insatisfação da empresa não é de hoje, mas ganhou força após os números de audiência de algumas novelas recentes — como Renascer — apresentarem variações que não condizem com o barulho gerado nas redes sociais e no streaming.
Segundo fontes do mercado, a Globo quer mais transparência e agilidade nos relatórios, além de dados que realmente reflitam a nova forma de consumo de conteúdo. O modelo em pontos, criado há décadas, já não atende à complexidade do cenário atual.
Limitações do modelo atual de medição
A Kantar Ibope coleta dados de audiência em 15 regiões metropolitanas do Brasil. Isso representa por volta de 27 milhões de domicílios e 69,2 milhões de indivíduos. A medição é feita por aparelhos que captam o áudio do conteúdo consumido dentro de casa.
No entanto, a Globo destaca que esse método ignora o público que assiste fora de casa, em ambientes como escritórios ou no transporte, e também quem consome conteúdos por redes sociais ou via streaming. Por exemplo, muitos telespectadores veem trechos de novelas como “Vale Tudo” no TikTok, sem que isso seja contabilizado nos índices de audiência.
Mercado em debate: fim dos pontos?
A repercussão da crítica da Globo foi imediata. Profissionais do setor de mídia, publicidade e agências de marketing já iniciaram um debate intenso sobre a possível “aposentadoria” dos pontos de audiência. Há um consenso de que o sistema precisa ser revisto, mas ainda há resistência por parte de quem depende desses números para negociações comerciais.
A proposta da Globo não é apenas mudar a métrica, mas também redefinir o conceito de sucesso na TV brasileira. Em tempos de segunda tela, trends no Twitter, cortes no TikTok e maratonas no Globoplay, contar apenas a audiência da TV aberta em tempo real pode ser um recorte limitado demais.
Proposta de nova métrica: audiência absoluta
A emissora propõe a substituição do ponto de audiência por uma métrica mais alinhada com o consumo digital: a audiência absoluta. Essa abordagem expressa o número real de espectadores, facilitando a compreensão e comparação com dados de plataformas digitais, como YouTube e redes sociais, que já utilizam esse modelo.
Amauri Soares, diretor-executivo dos Estúdios e da TV Globo, afirma que a novela das 21h tem audiência média aproximada de 30 milhões de expectadores por noite, número que não inclui interações em redes sociais nem o consumo fora de casa. Ele ressalta que as métricas atuais não capturam esse consumo diversificado e que é necessário considerar todas as formas de visualização para obter uma imagem precisa da audiência.
Um novo futuro para a medição de audiência?
O movimento da Globo pode representar uma virada histórica no modo como se avalia o sucesso de um programa no Brasil. Com uma métrica mais ampla, que englobe plataformas digitais e redes sociais, o mercado ganha ferramentas mais sofisticadas para entender o comportamento do público.
E se depender da maior emissora do país, o fim dos pontos de audiência está mais próximo do que nunca. O futuro será contado em pessoas — e não mais em números abstratos.
Colaboração para atualização da metodologia
Apesar das críticas, a Globo não rompeu com a Kantar Ibope. Pelo contrário, a emissora participa de um esforço conjunto com a Kantar e o mercado publicitário em busca de uma atualização da metodologia de medição de audiência. O objetivo é desenvolver um sistema que reflita com mais precisão o consumo de conteúdo na era digital, considerando todas as plataformas e dispositivos utilizados pelos telespectadores.
Essa discussão sinaliza uma possível transformação na forma como a audiência é medida e compreendida no Brasil, buscando uma abordagem mais inclusiva e representativa do comportamento atual dos consumidores de mídia.
